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Espírito Santo - 23 de fevereiro de 2015

Pedro Canário: município está no rastro de contaminação e morte por agrotóxico.

 

Quando algum trabalhador chega ao postinho de saúde tendo convulsões, soltando água pelo corpo ou com manchas vermelhas na pele, a técnica de enfermagem Maria Ivone de Jesus, que trabalha em Taquara, Pedro Canário, já sabe: “É veneno!”. Localizada na divisa do Espírito Santo com a Bahia, a “Vila dos Contaminados” exemplifica a realidade dos diversos focos de intoxicação visitados pela reportagem do levantamento feito no Estado. As pessoas costumam chegar soltando água pelo corpo, com manchas na pele e vomitando. Isso é normal. Vendo que é veneno eu mando para o hospital

agrotoxico pedro canário 1

“Aqui é terra de ninguém. Não tem uma pessoa que recebe a roupa de proteção para bater veneno”, vai avisando a primeira entrevistada, mãe de um trabalhador contaminado na plantação de banana. E é verdade. A cada esquina, a equipe de reportagem encontrou um novo morador com história de contaminação para contar. Foram 10 relatos apenas nas primeiras horas de caminhada pela vila. Não foi preciso andar mais de 100 metros entre a casa de uma e outra vítima do veneno.

“Certo dia, fui todo cheio de calombos para o hospital. Voltei para casa vomitando, com febre e dor de cabeça. Fiquei doido, tirava a roupa perto das pessoas, defecava sangue”, revela Almir Soares da Silva, de 50 anos, que também teve os problemas na coluna agravados por causa da bomba de veneno que carregava nas costas. Mesmo com a coluna atrofiada, Almir não consegue aposentadoria por invalidez e vive da ajuda de vizinhos.

Experiente quando o assunto é o atendimento de trabalhadores contaminados e com 29 anos de atuação na região, Ivone identifica de imediato os sintomas do veneno . “O cheiro do produto nas pessoas é forte. Chegam tendo convulsões, vomitando e soltando água do corpo. Isso é comum aqui. Encaminho para o hospital”, observa ela.

Um dos moradores atendidos pela técnica de enfermagem da vila foi o aplicador Adalberon da Silva Araújo, de 47, que conversou com a reportagem rodeado pelas suas bombas de veneno. “Tem produto que é tão forte que preciso jogar a roupa fora. Por causa deles já fui parar no médico três vezes, perdi a sensibilidade das costas e as unhas dos pés”, diz ele, que também costuma recrutar “turmas” de diaristas para aplicar os agrotóxicos nas propriedades dos fazendeiros da região. Adalberon mora com a mulher e os filhos numa casa simples.

Apesar de atuar há 25 anos com as substâncias tóxicas, o único equipamento de proteção adquirido nesse tempo, um kit com máscara e roupa especial, nunca foi usado. “Um dia penso nisso”, diz. Já perdi as unhas dos pés e a sensibilidade nas costas. É uma vida sofrida, já fui parar no hospital várias vezes. Aqui ninguém usa a roupa certa para bater o veneno

Taquara, A vila da morte.

A produção agrícola alavanca os indicadores econômicos de Pedro Canário, mas não consegue tirar da pobreza os trabalhadores rurais de Taquara e comunidades vizinhas, que precisam se esforçar para viver com uma média salarial de R$ 289,33, uma das mais baixas do Estado, segundo o último censo do IBGE. Ao chegar à vila, as ruas de chão batido e esgoto a céu aberto prenunciam um situação que vai muito além das intoxicações.

Faltam serviços públicos básicos. A população não conta com praça ou qualquer espaço de lazer. Uma creche foi inaugurada pela prefeitura há dois anos, mas nunca funcionou. Quando adoecem por causa do veneno, os trabalhadores não têm a quem recorrer. A unidade que recebe os doentes não conta com ambulância e o médico só aparece de vez em quando.

Boa parte dos 800 moradores trabalha na clandestinidade, sem carteira de trabalho assinada. Diante desse quadro, são comuns os relatos de pessoas que adoecem por conta do veneno e não recebem nenhum auxílio. Trabalhadores como o filho da aposentada Maria Alves dos Santos, de 65 anos, que não recebia equipamentos de proteção do empregador e nem possuía carteira de trabalho assinada, e acabou foi contaminado numa plantação de banana.

“Chegou em casa exalando veneno, tremendo e vomitando sem parar. Fiquei desesperada, pois achava ele ia morrer. Só dizia ‘estou intoxicado mãe, me ajuda’”. Sem receber pelos dias parados, o filho descumpriu a orientação médica e voltou ao trabalho. “Ele não pode ficar sem esse dinheiro. É proibido mexer com veneno, mas trabalha mesmo assim”, admitiu a aposentada, entrevistada enquanto o filho estava no campo.

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde atribui o alto índice de notificações ao fato de o Espírito Santo ser “o único estado do país que faz a busca ativa”, ou seja, contabiliza os casos de ligação para o Toxcen e os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, além de ir ao locais e investigar os prontuários, evitando subnotificações.

Noticia10/reportagem especial gazeta

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