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Brasil - 28 de dezembro de 2016

Está acabando, mais 2016 ainda pode piorar: Turistas podem ser escravocratas por um dia em fazenda ‘sem racismo’

Paisagem bucólica, campos verdejantes, clima agradável. A combinação seria perfeita para degustar um café e descansar em uma fazenda no Vale do Paraíba fluminense, não tivesse corrido ali tanto sangue. A região, enriquecida pela exploração de trabalho escravo nas fazendas cafeeiras, era conhecida também pela peculiar brutalidade com que os escravizados eram tratados. Hoje a economia na região ganhou um novo fôlego: está no mapa da cultura do Rio de Janeiro explorando um turismo que naturaliza o racismo e a escravidão.

Se você desejar ser servido por uma pessoa negra vestida como escrava em pleno 2016, você pode visitar, por exemplo, na Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, única fazenda particular tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (Iphan-RJ) no Vale do Café, construída por volta do ano de 1830. A partir de 1895, sete anos após a abolição da escravatura, a propriedade teve diversos donos até ser adquirida pelo Coronel Horácio José de Lemos, cujos descendentes são até hoje proprietários da fazenda. Os planos de restauração foram aprovados em 2013 e, atualmente, a fazenda recebe visitas diárias com agendamento.

A região tem um histórico particular de selvageria contra negros feitos escravos. Tanto que, em 1829, o então fiscal da Vila de Valença (hoje Valença, município vizinho a Vassouras), Eleutério Delfim da Silva, demonstrou preocupação com os “castigos brutais que os escravos daquela Vila recebiam”, fazendo inclusive uma representação à Câmara expondo tais brutalidades. Mas isso parece não ser uma questão relevante para quem explora o potencial turístico da região. As pessoas que passam um dia descontraído nessas senzalas e casas grandes teriam coragem de pegar um trem na Polônia, rumo a Auschwitz, dividindo o assento com atores judeus sorridentes fantasiados de seus ancestrais?

Quando viajam para a Europa e visitam lugares como o Museu do Holocausto em Berlim, ou até mesmo em Curitiba, turistas se compadecem da dor sofrida pelo povo judeu, escravizado e exterminado pelos nazistas. Mas raramente fazem algum paralelo com os horrores da escravidão dos africanos. Choram, passam mal, postam indignação nas redes sociais e depois são capazes de passar um fim de semana ouvindo um sarau numa fazenda como essa, sendo servidos por pessoas vestidas de escravas e ciceroneados por sinhás, para fazer uma “volta ao passado”, sem nenhum senso crítico sobre a questão. A sinhá tem um empregado que se veste de mucamo e contrata – de acordo com a demanda – mulheres para se vestirem de mucamas. “É um empregado, que mora aqui, que me ajuda, que se veste de mucamo também. Mas ele é branquinho! Então, a cor não tem nada a ver. Eu sou mais morena que esse empregado”, justifica a dona da fazenda.

Ou seja, os negros em Valença — assim como no resto do país — trabalharam muito, deram o sangue — literalmente — mas não conseguiram se mover na pirâmide social. Por outro lado, os donos de fazendas — que já não pagaram por trabalho — são indenizados quando suas terras são reconhecidas como terras quilombolas, aquelas onde pessoas escravizadas e seus descentes encontravam refúgio e resistiam contra a escravidão.

É caso do Quilombo São José da Serra, em Valença. “Hoje é um dia muito importante, porque hoje nós vamos ter uma vitória, que a gente já vinha atrás dela não é de hoje.” O hoje, dito por Tio Mané, foi em abril de 2015. “Sou nascido e criado aqui. Tô com 95 anos, mas nascido aqui mesmo.” Tio Mané nasceu livre, 12 anos após a abolição, na terra onde sua mãe foi escravizada e onde hoje cria filhos, netos e bisnetos. No quilombo vivem aproximadamente 200 negros, que são a sétima geração desde os primeiros africanos feitos escravos comprados para trabalhar nas lavouras de café da fazenda de mesmo nome, São José.

Há pouco mais de um ano a Justiça reconheceu a área de 159 hectares como terra quilombola. Os proprietários foram indenizados em R$ 569 mil pela área. Escravizados renderam ganho duplo: foram forçados a trabalhar por anos e, agora, rendendo indenização na terra onde foram explorados.
Noticia10/Cecilia Olliveira, do The Intercept Brasil

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