Conceição da Barra: Família símbolo da resistência quilombola frente a FIBRIA sofre nova ação da polícia.
Um jovem negro foi preso pela Polícia Civil nessa quarta-feira (26) em uma estrada rural de Conceição da Barra (norte do Estado), enquanto guiava seu carro de volta para casa na companhia de sua mãe. A acusação: assassinato de um cabeleireiro na localidade de Lagoa Santa, em Pedro Canário. Levado para a delegacia local, passou todo o dia, sendo depois encaminhado para a delegacia de São Mateus, onde permanece até esta tarde, assistido por um defensor público e uma advogada amiga da família.
O jovem é inocente, protestam os quilombolas. Chama-se Evaldo Jerônimo Florentino, tem 23 anos e nenhuma passagem pela polícia. É filho de Berto Florentino, 68 anos, contraguia do Ticumbi de Itaúnas, umas das tradições folclóricas mais emblemáticas do Espirito Santo, do qual a família de Berto participa há mais de 100 anos. “Faz 45 anos que brinco no folclore do Terto (Mestre Terto, guardião do Ticumbi de Itaúnas]. O mais velho de congo sou eu”, conta. Além de respeitado no Ticumbi, Berto também é uma das mais antigas e valentes lideranças na luta quilombola no norte do Espírito Santo, resistindo há décadas contra as investidas criminosas da Aracruz Celulose (Fibria) para que ele venda a propriedade rural onde vive com a família, na comunidade de São Domingos, no Território Quilombola do Sapê do Norte, em Conceição da Barra.
Desde que a empresa começou a substituir a Mata Atlântica pela monocultura de eucaliptos, há cerca de 40 anos, Berto já teve vários filhos presos injustamente e ele próprio já foi para a delegacia e teve sua casa invadida e depredada por policiais. Pelo menos uma dessas violações foi alvo de ação civil pública na Justiça Federal: em 2009, a Polícia prendeu mais de trinta membros da comunidade numa ação injustificavelmente violenta e humilhante.
A juíza federal Mariana Carvalho Bellotti, em sua sentença favorável aos quilombolas, afirmou que “A arbitrariedade e o desrespeito à lei ganham especial relevo tendo em conta que os cidadãos em questão compõem uma minoria étnica que, historicamente, foi vítima de séculos de arbitrariedades e restrições de direitos, e que ainda enfrenta, na atualidade, dificuldades na implementação do direito previsto no artigo 68 do ADCT da Constituição da República e, assim, constantes disputas com empresas que exploram as terras que essa comunidade luta por ver reconhecidas como remanescentes das comunidades de quilombos”. O valor da indenização, de R$ 100 mil, foi determinado para aplicação em projetos voltados ao desenvolvimento de ações de inclusão e sustentabilidade das comunidades quilombolas desenvolvidos pela Fundação Cultural Palmares. O caso, porém, ainda tramita na Justiça.
Em quase meio século de luta, parte das terras foram usurpadas pela empresa, mas boa parte ainda resiste, coberta com lavoura de abóbora, melancia, jaca, coco, laranja, café, macaxeira (aipim) … “Planto de tudo”, conta Berto. Nos oito alqueires que cuida, a água ainda é boa, contrastando radicalmente com o entorno desertificado pela monocultura industrial da Aracruz (Fibria) e da Suzano. “Não vendo a minha terra. Estamos dentro do território que é nosso”, avisa o líder.
Noticia10/seculodiario
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