cidade do Piauí que quer se tornar a Finlândia brasileira da educação
Problemas da educação de um Brasil real passam todos os dias pelo divã de Tiana Tapety, como a secretária de educação de Oeiras chama seu período de atendimento das 7h as 13h. Sobre sua mesa, nenhum computador. Pastas e livros dividem o espaço com uma pequena imagem de Jesus, que assiste ao entra e sai de funcionários, pais e professores, e às discussões sobre estratégias para driblar recursos escassos, problemas sociais de todo tipo, o excesso de calor e, quem poderia imaginar, até mesmo os transtornos causados pela tão esperada queda da temperatura, como a chuva de besouros bufão.
Oeiras é hoje uma cidade que respira educação. Enquanto em Brasília se discutia o Escola sem Partido, projeto que visa proibir posicionamento ideológico ou político na sala de aula —arquivado recentemente na Câmara—, o foco da primeira capital do Piauí era garantir equidade nas escolas rurais, crianças 100% alfabetizadas, cultivo do gosto pela leitura e abordagem individual do ensino.
É assim desde 2013, quando Tapety assumiu a Secretaria Municipal de Educação (SEMED), que atende a 6.200 crianças no ensino fundamental (da educação infantil ao 9º ano), e que em 2017, conseguiu atingir 7,1 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no 5ª ano. O indicador, que varia de 0 a 10, é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar e médias da Prova Brasil, que avalia o conhecimento em língua portuguesa, com foco em leitura, e em matemática, voltado para a resolução de problemas. Oeiras superou a meta proposta pelo Inep para 2021, quando, espera-se, todo o Brasil deve alcançar a nota 6,0 —o que corresponderá a um sistema educacional com o mínimo de qualidade para arriscar uma comparação com alguns países desenvolvidos. Em 2017, a média do país ficou em 5,8 nos anos iniciais.
À primeira vista, o salto de Oeiras na educação até parece conto de vendedor, mas não é preciso mais do que meia hora de conversa com educadores e alunos para saber que o olhar da cidade está muito mais para Finlândia, que tem um dos melhores sistemas de educação do mundo, do que para Brasília. As metas pouco ambiciosas do INEP, assim como os temas que distraem o debate sobre educação não parecem interessar. ‘Kit gay’? “Não existe”, afirma Tapety. Escola sem partido? “Coisa de quem quer censurar a sala de aula, negar a criticidade”, resume a secretária, sem dar muito assunto.
Tapety tem clara qual é a sua prioridade: “Oferecer condições para que os estudantes disputem em pé de igualdade e possam se sobressair”. O 10 no IDEB é desejável, mas a prova não é prioridade. Há outros benefícios na evolução da educação além do destaque em avaliações. O resgate da credibilidade da escola e a melhoria da autoestima da população, por exemplo. “Você é de São Paulo?”, pergunta Washington Luís Santos, diretor da escola de educação infantil Girassol. “Temos recebido muitas crianças de lá sem saber ler”, comenta o diretor com um tom de decepção, mas sem esconder o orgulho de quem pode se comparar com a rica metrópole do Sudeste.
Nem sempre foi assim. A extrema vulnerabilidade econômica tornou o Piauí um dos principais polos exportadores de mão de obra escrava do país. A baixa qualificação dos trabalhadores locais, muitos analfabetos, aliada à pouca oportunidade de emprego, até hoje atrai aliciadores de fazendeiros e empreiteiros da construção em busca de mão de obra barata. Ser reconhecido pela excelência da educação e se tornar um exportador de cérebros será uma mudança de paradigma. “Agora as escolas particulares ligam para oferecer ajuda aos meninos, como se eles já tivessem vindo prontos”, conta Tapety, que ainda não sabe como lidar com o assédio sobre os estudantes que ganharam 18 premiações na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), sendo uma medalha de ouro, duas de prata e quatro de bronze.
A rede municipal de Oeiras ganhou a fama de fechadora de escolas particulares, após três unidades deixarem de existir desde 2013. A educação pública forte e gratuita virou concorrência direta. Tiana não parece se importar com as críticas. “Há oportunidade ainda no mercado de ensino médio”, avalia, com a experiência de quem já atuou na iniciativa privada.
O ensino médio, aliás, é o grande calcanhar de Aquiles da cidade, e onde Tapety encontra um descasamento com o esforço para virar o jogo da educação. A rede municipal vai mandar neste ano mais de 1.000 alunos para a rede estadual, que é responsável no pacto federativo pelos últimos anos do ensino básico. O desempenho da rede do Estado, no entanto, fica muito aquém dos resultados do fundamental. As escolas estaduais presentes em Oeiras tiveram uma média de 3,7 no IDEB, em 2017, um pouco abaixo da média brasileira, de 3,8.
Vale ressaltar que a crise do ensino médio, bem como a falta de autocrítica dos Governos que tentam vender excelência onde não existe, não é uma particularidade do Piauí e seus 3,3 no IDEB. São Paulo (3,8), Minas Gerais (3,6), Rio Grande do Sul (3,4), Rio de Janeiro (3,3) também amargam resultados ruins. O prêmio “melhores entre os piores” fica apenas com Goiás (4,3), Espírito Santo (4,1) e Pernambuco (4,0). Ainda assim, nada a celebrar.
noticia10/elpais
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