Bolsonaro põe em dúvida assassinato de cacique e defende garimpos em terras indígenas
A grave denúncia do assassinato do cacique Emyra, na aldeia Waiãpi, no Amapá, provocou uma onda de comoção no País. Os habitantes denunciaram o crime na terça-feira 23 e culparam garimpeiros ilegais. Enquanto a situação nessa região remota se esclarecia com lentidão, principalmente pelo acesso difícil, o presidente Jair Bolsonaro foi rápido em questionar o crime e defender o garimpo nas terras indígenas. Com isso, desprezou a luta pela preservação de áreas indígenas, embaralhou uma discussão econômica relevante sobre mineração e ainda insultou a luta ambiental.
Os indígenas, que detêm constitucionalmente largas terras ricas em minerais, são na maioria dos casos importantes atores de proteção dessas áreas. É o caso da comunidade Waiãpi. Há duas semanas, o que era uma constante preocupação para o seu povo se transformou em pavor. De acordo com agentes da FUNAI que atuam em sua região, os índios afirmaram que seu território foi invadido por cerca de 15 pessoas armadas e o líder Emyra Waiãpi (no destaque, na página ao lado) encontrado morto. Segundo vídeos gravados pela equipe do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o filho do cacique encontrou o corpo do pai com perfurações de faca na cabeça e na barriga, olhos furados e o pescoço amarrado, agressões que teriam sido feitas antes do pai ser jogado no rio.
Autoridades enviadas ao local demonstraram dúvidas sobre as invasões de garimpeiros. Do outro lado, no entanto, integrantes da aldeia afirmam que a polícia enviada ao local não estava interessada em ouvir os seus relatos. De acordo com o morador Asurui Waiãpi, quando os agentes chegaram foram mostrados a eles os caminhos percorridos pelos invasores, mas “os policiais não se interessaram muito em seguir a gente nesses caminhos”. Apesar de ir contra sua tradição, os integrantes da aldeia se dispuseram a exumar o corpo para contribuir com as investigações. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal continuam no caso.
Bolsonaro ao invés de demonstrar preocupação, acusou ONGs de atuarem em áreas de proteção indígena e prejudicarem a soberania nacional. “Não tem nenhum indício forte de que esse índio foi assassinado lá”, disse o presidente. A desconfiança do presidente com essas organizações, que suprem a ausência do poder público em áreas desassistidas, foi reafirmada na quinta-feira 1. O chanceler da França Jean-Yves Le Drian tinha um encontro marcado com o presidente, que foi desmarcado. Entre as razões, estaria o fato do embaixador ter se encontrado com ambientalistas. “O que ele veio tratar com ONG aqui? Quando fala em ONG, já nasce um alerta”, disse Bolsonaro. A gafe diplomática provocou reações na França, que se alinha a países como Alemanha e Suécia na crítica ao descaso do atual governo com o ambiente.
É de se lamentar que, enquanto o mundo tenta reverter o aquecimento global — e o desmatamento é uma das principais causas —, o governo caminhe na direção oposta, ignorando estudos que mostram como áreas protegidas também podem ser altamente lucrativas. O descompasso do presidente com a realidade pode trazer grandes prejuízos. Seu pouco caso com a morte do cacique Emyra pode ser apenas um reflexo de uma política que vai de encontro ao futuro do País.
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